Este artigo apresenta um estudo referente à proteção de tanques de combustíveis contra descargas atmosféricas diretas. Também inclui experimentos em laboratório para verificar os pontos quentes na parte interna de chapas utilizadas nos tanques, uma análise dos valores de temperaturas obtidas comparados com as temperaturas de autoignição de alguns tipos de combustíveis, o desenvolvimento de uma planilha para análise de risco específica para este tipo de instalação e algumas recomendações para a proteção de tanques de armazenamento de combustíveis contra as descargas atmosféricas.
As descargas atmosféricas podem ser danosas às estruturas, pessoas e também aos serviços, tais como o fornecimento de energia, telecomunicações, redes de informação, tubulações metálicas, atividades industriais e comerciais e processos que envolvem petróleo e outros tipos de combustíveis, entre muitos outros. Especificamente em relação a tanques de combustíveis, se uma descarga atmosférica atingir diretamente o tanque, explosões podem acontecer e, consequentemente, incêndios de grandes proporções acontecem gerando enormes problemas ambientais, além da possibilidade de vítimas fatais. Como exemplo, em janeiro de 2013, dois tanques de armazenamento de etanol explodiram após serem atingidos por descargas atmosféricas: um em Ourinhos no estado de São Paulo e outro no estado de Goiás (Usina Rio Claro).
Este artigo apresenta uma análise de risco para estes tipos de tanques e mostra os resultados de ensaios de pulsos de corrente contínua simulando componentes da corrente de continuidade das descargas em chapas metálicas utilizadas neste tipo de tanques, analisando o desenvolvimento de pontos quentes na face internas destas chapas.
Considerações gerais
Tipos de proteções para tanques de combustíveis
Devemos estudar os efeitos das descargas atmosféricas em tanques de combustíveis sob três aspectos: as descargas atmosféricas que atingem diretamente os tanques; as descargas atmosféricas que atingem áreas próximas ao tanque e as que atingem os sensores e/ou suas fiações de alimentação e/ou sinal ou próximas a estas alimentações.
Quando uma descarga atmosférica atinge diretamente um tanque, podem acontecer:
A condução da corrente da descarga atmosférica por partes metálicas do tanque (inclusive partes do SPDA) sem causar nenhum problema;
Perfurações e consequentemente incêndio e/ou explosões;
A geração de pontos quentes sem perfuração, mas com consequentemente incêndio e/ou explosões;
Descargas disruptivas em pontos críticos do tanque (partes isolantes, sensores, fiações, etc.) de forma a dar início a incêndios e/ou explosões, devido à diferença de potenciais oriunda pela passagem da corrente da descarga ou por efeitos de indução desta corrente;
Ao passar por ambiente explosivo (por exemplo, zona 0), iniciar um incêndio e/ou explosões, devido à temperatura do canal da descarga ou efeito corona.
As descargas atmosféricas que atingem áreas próximas ao tanque e as que atingem os sensores e/ou suas fiações de alimentação e/ou sinal ou próximas a estas alimentações podem não ocasionar falhas e/ou perigo nos mesmos, porém, podem também iniciar incêndios e/ou explosões principalmente por causa de descargas disruptivas em pontos críticos dos tanques. No caso de estas descargas passarem por áreas explosivas (zona 0, por exemplo), podem também dar início a incêndios ou explosões que fatalmente irão atingir os tanques das redondezas.
Para a proteção contra os efeitos indiretos das descargas atmosféricas, principalmente contra as descargas disruptivas em pontos críticos, as medidas de proteção contra surtos (MPS) devem ser tomadas, principalmente a equipotencialização, o aterramento e a instalação de DPS (Dispositivos de Proteção contra Surtos) adequados e coordenados.
Para evitar os problemas oriundos das descargas atmosféricas diretas, os principais tipos de proteção são descritos a seguir.
Tanques autoprotegidos e auto-aterrados
Os tanques considerados autoprotegidos e auto-aterrados (Figura 1) são aqueles que possuem chapas metálicas na cobertura e nos costados, com espessura igual ou superior aos valores que, ao serem atingidos por uma descarga atmosférica, não ocorram à perfuração e nem a geração de pontos quentes de forma a evitar incêndio e/ou explosões. Além disso, possuem diâmetros com um determinado valor considerado suficiente para manter um bom aterramento, considerando apenas o contato entre o tanque e o solo (este diâmetro mínimo varia em função do tipo de solo). Este conceito de auto-aterrado era permitido na antiga ABNT NBR 5419 na versão 2005, mas na atual revisão desta norma (ABNT NBR 5419-3: 2015), este conceito não existe. A malha de aterramento é requerida nesse caso.
Figura 1 – Tanque autoprotegido e auto-aterrado.
Tanques autoprotegidos com aterramento
Os tanques considerados autoprotegidos com aterramento (Figura 2) são aqueles que possuem chapas metálicas na cobertura e nos costados com espessura igual ou superior aos valores com os quais ao serem atingidos por uma descarga atmosférica não ocorra perfuração e nem geração de pontos quentes de forma a não ocorrer incêndio e/ou explosões. Para o aterramento destes tanques, são utilizadas as técnicas de aterramento descritas nas normas, tais como a instalação de um anel de aterramento interligado ao tanque e/ou malha de aterramento interligada ao parque de tanques.
Figura 2 – Tanque autoprotegido com aterramento.
Proteção externa não isolada
A proteção externa não isolada (Figura 3) é uma proteção em que são instalados componentes do sistema de captores conectados ao tanque de forma a evitar que a descarga atmosférica atinja o tanque, podendo a corrente da descarga atmosférica percorrer partes metálicas do tanque. Partes metálicas existentes e permanentes do tanque podem eventualmente ser utilizadas como parte integrante do sistema de proteção contra descargas atmosféricas, tais como guarda-corpos metálicos soldados convenientemente no tanque e com dimensões adequadas. O(s) mastro(s) captor(es) deve(em) ser fixado(s) de forma que tenha(m) uma boa área de contato com a chapa do teto do tanque, e que com a passagem da corrente da descarga atmosférica, não ocorra geração de pontos quentes, danos na chapa ou qualquer tipo de corrosão. Para o dimensionamento da haste captora e sua localização, deve-se utilizar o método Eletrogeométrico.
Figura 3 – Proteção externa não isolada.
Proteção externa isolada
A proteção externa isolada (Figura 4) é aquela onde se deseja que a descarga atmosférica não atinja o tanque e nem que a corrente desta descarga percorra nenhuma parte do mesmo. Este tipo de proteção é composto por torres afastadas do costado do tanque (distâncias calculadas conforme item 6.3 da norma parte 3), sendo que estas torres devem ser dimensionadas conforme o método Eletrogeométrico. Estas torres podem ser interligadas na parte superior por cabos metálicos adequadamente dimensionados (conforme norma) e devem ser interligadas ao sistema de aterramento na parte inferior. Esta proteção deve ser adotada quando as espessuras das chapas do tanque não garantam a não perfuração e nem a geração de pontos quentes perigosos quando uma descarga atmosférica atingir diretamente o tanque. Ou quando a condução da corrente da descarga atmosférica possa ocasionar elevações de temperatura perigosas e/ou descargas disruptivas em pontos que possam dar início a incêndio ou explosões.
Figura 4 – Proteção externa isolada.
Principais recomendações para proteção de tanques
As principais recomendações para a proteção de tanques de armazenamento de combustíveis serão apresentadas da seguinte forma: inicialmente iremos apresentar as recomendações gerais válidas tanto para tanques novos como os existentes; em seguida apresentaremos as recomendações específicas para tanques em funcionamento; e, finalmente, as recomendações específicas para novos tanques a serem aplicadas ainda na fase de projeto e implantação.
É muito importante citar que o fenômeno das descargas atmosféricas é bastante complexo e não existe uma proteção 100% segura. Dessa forma, mesmo atendendo a 100% das recomendações descritas a seguir, não é possível assegurar, com absoluta certeza, de que uma descarga, ao atingir um tanque ou suas redondezas, não possa trazer nenhum tipo de dano.
Recomendações gerais
A norma de proteção contra descargas atmosféricas no Brasil é a ABNT NBR 5419, publicada em 2015 em 4 partes. Desta forma, recomenda-se que todos os tanques de armazenamento de combustíveis atendam, no mínimo, a esta norma, podendo ainda atender a algumas recomendações adicionais descritas em normas internacionais, tais como as normas específicas para estas estruturas como as americanas;
Recomendamos que todos os sensores e/ou demais dispositivos existentes no tanque (ou a serem ainda instalados no mesmo), que possuam cabos de alimentação elétrica e/ou cabos de sinais, sejam protegidos contra surtos através das medidas de proteção contra surtos (MPS), principalmente através de DPS (Dispositivos de Proteção contra Surtos) adequados e coordenados, e, quando necessário, específicos para áreas classificadas;
Recomendamos que todos os tanques sejam verificados no sentido de constatar a continuidade elétrica entre a cobertura (seja fixa ou móvel), o costado e o sistema de aterramento, evitando partes isolantes suscetíveis às descargas disruptivas que possam provocar ignições. No caso de tanques novos, definir esta continuidade no projeto e constatar na implantação;
O subsistema de aterramento, segundo as normas indicadas, é composto por uma malha de aterramento e o número de interligações entre os tanques e a malha é definida conforme as dimensões do mesmo;
No item D.5.5.2 da norma brasileira, a ABNT NBR 5419-3: 2015 descreve pontos importantes sobre a proteção de tanques de armazenamento de combustíveis. Neste item, a norma declara, para certos tipos de estruturas utilizadas para armazenamento de líquidos que podem produzir vapor inflamável ou para armazenamento de gases, que são normalmente considerados autoprotegidos (contidos totalmente dentro de recipientes metálicos, contínuos, com uma espessura de parede superior a 5 mm de aço ou 7 mm de alumínio, sem espaços que permitam centelhamento) e não requerem proteção adicional. A norma indica também que, tanques em contato direto com o solo e linhas de encaminhamento de tubulação não necessitam da instalação do subsistema de captação. Componentes elétricos e de instrumentação utilizados dentro desses equipamentos devem ser certificados para esse tipo de aplicação. Medidas para proteção contra descargas atmosféricas devem ser tomadas conforme o tipo de construção;
Tanques ou contêineres individuais, metálicos, devem ser ligados ao eletrodo de aterramento conforme a Seção 5 da norma, dependendo de suas dimensões horizontais (diâmetro ou comprimento):
a) até 20 m: duas interligações no mínimo, dispostas equidistantemente no perímetro;
b) superior a 20 m: duas interligações mais uma interligação adicional a cada 10 m de perímetro, dispostas equidistantemente.
Para tanques agrupados em pátios, por exemplo, refinarias e pátios de armazenamento, o aterramento de cada tanque em um ponto é suficiente, independentemente da maior dimensão horizontal. Quando dispostos em pátios, os tanques devem estar interconectados. Além das conexões conforme as Tabelas 7 e 8 da ABNT NBR 5419-3, tubulações que estão eletricamente conectadas, conforme 5.3.5 da norma, também podem ser consideradas como interligação. No caso de tanques com teto flutuante, o teto flutuante deve ser interligado à carcaça principal do tanque de forma eficaz. O projeto dos selos e derivadores e suas relativas localizações necessitam ser cuidadosamente considerados de forma que o risco de qualquer eventual ignição da mistura explosiva por um centelhamento seja reduzido ao menor nível possível. Quando uma escada móvel for instalada, condutores de equipotencialização, flexíveis de 35 mm2, devem ser conectados nas dobradiças da escada, entre a escada e o topo do tanque e entre a escada e o teto flutuante. Quando uma escada móvel não é montada no tanque de teto flutuante, um ou mais (dependendo das dimensões do tanque) condutores flexíveis de equipotencialização de 35 mm2 devem ser conectados entre a estrutura principal do tanque e o teto flutuante. Os condutores de equipotencialização devem seguir o teto ou serem instalados de forma que não formem laços (loops) decorrentes da movimentação deste. Em tanques de teto flutuante, devem existir ligações múltiplas, em intervalos de 1,5 m, entre a periferia do teto flutuante e a parede do tanque. A seleção do material é dada pelo produto armazenado no tanque e/ou requisitos ambientais. Alternativas para prover uma adequada conexão entre o teto flutuante e a parede do tanque com relação à condução das correntes de impulso associadas a descargas atmosféricas somente serão permitidas se demonstradas com sucesso em ensaios e se esses procedimentos forem utilizados para assegurar a confiabilidade da conexão;
Fazer uma análise de risco referente à proteção contra descargas atmosféricas na fase de projeto, após a instalação do tanque, durante as manutenções mais críticas e sempre que houver alguma modificação no projeto original do tanque.
Recomendações específicas para tanques existentes e em funcionamento
Jamais realizar operações de abastecimento ou esvaziamento de combustíveis durante períodos com tempestades;
Jamais realizar operações de manutenção e/ou medição no tanque ou nas suas proximidades durante períodos de tempestades;
Verificar as espessuras das chapas dos tanques e comparar os valores encontrados com os valores de projeto e normalizados;
Verificar o estado das interligações entre os tanques e o sistema de aterramento, comparar a quantidade de interligações com os valores normalizados e verificar a continuidade elétrica entre todos os condutores que compõe este sistema;
Para fins de Proteção do tanque contra as descargas atmosféricas, considera-se que todas as eventuais saídas para alívio de pressão de gases explosivos, sejam dotadas de válvulas especiais de forma que jamais alguma fagulha externa possa penetrar ao interior do tanque;
Constar no Plano de Manutenção dos tanques as verificações específicas referentes ao SPDA incluindo a verificação da continuidade da malha de aterramento, a abrangência do subsistema de captores, a verificação da espessura das chapas (principalmente teto dos tanques), a continuidade elétrica entre o subsistema de captores e o subsistema de aterramento, a funcionalidade dos Dispositivos de Proteção contra Surtos instalados, a funcionalidade dos sistemas de alívio de pressão, entre outros.
Recomendações específicas para novos tanques a serem aplicadas ainda na fase de projeto e implantação
Verificar se as espessuras das chapas especificadas no projeto estão de acordo com as espessuras indicadas na norma (superiores a 5 mm no caso de aço);
Para o projeto do sistema de aterramento, realizar antes uma estratificação do solo no local da implantação dos tanques para verificação da resistividade do mesmo e calcular a malha necessária para o aterramento. Devem ser indicadas no projeto todas as interligações ao tanque e detalhes das mesmas;
Prover todos os sistemas de sensores e medição com as Medidas de Proteção contra Surtos (MPS) adequadas para ambiente em áreas classificadas.
Referências
[1] ABNT- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT NBR 5419-3: 2015, Proteção de estruturas contra descargas atmosféricas – Parte 3: Danos físicos a estruturas e perigo à vida, 2015.
[2] LIGHTNING AND INSULATOR SUBCOMMITEE OF THE T&D COMMITTEE – “Parameters of Lightning Strokes”. IEEE Transactions on Power Delivery, vol. 20, pp 346-358, Jan. 2005.
[3] ABNT- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT NBR 5419-2: 2015, Proteção de estruturas contra descargas atmosféricas – Parte 2: Gerenciamento de risco, 2015.
* Geraldo Burani é engenheiro eletricista com mestrado e doutorado em engenharia elétrica. Atualmente, é professor Doutor da Universidade de São Paulo e supervisor do serviço técnico de desempenho do IEE/USP.
* Hélio Eiji Sueta é doutor em Engenharia Elétrica e secretário da CE-003.064-10, do CB-3 da ABNT.
* Luis E. Caires é engenheiro, com mestrado em engenharia elétrica e supervisor do Serviço Técnico de Altas Potências do IEE/USP.
* Vinicius Marcus Paulo Teixeira é engenheiro e mestrando no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP).
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